O livro que todos deveriam ler antes de se iludir com o tal do propósito
julho 27, 2020Não sei você mas eu acho um pouco romântico o papo do propósito de vida. Sabe aquelas palestras que fornecem mil e uma técnicas para você descobrir o seu propósito? Eu sempre me senti culpada por não saber o meu e esse livro caiu como uma luva para me mostrar que a gente não precisar saber esse propósito da vida inteira, aquela coisa mágica sabe? Ele diz sim que precisamos de um sentido, objetivo mas que isso varia de pessoa para pessoa e de um momento para o outro e que também é não é um sentimento mágico que nasce com a gente é perceber o melhor que pode ser feito em determinada situação.
O livro é uma autobiografia de Viktor Emil Frankl, médico e psiquiatra austríaco que passou por 4 campos de concentração na segunda guerra mundial. Fundador da escola da Logoterapia, que explora o sentido existencial do indivíduo e a dimensão espiritual da existência.
O livro é dividido em três partes: a experiência no campo de concentração, conceitos básicos da Logoterapia e a tese do otimismo trágico.
Experiência no campo de concentração
O autor retrata sim, cenas que aconteceram no campo de concentração, mas de uma forma mais leve do que em muitos dos filmes que eu já vi a respeito.
Não vou dizer que não fiquei nenhum pouco mexida, porque estaria mentindo, mas como ele descreve já fazendo a analise psicológica consegui me manter mais distante dos acontecimentos.
A primeira parte do livro é dividida entre: recepção no campo de concentração, a vida no campo de concentração e após a libertação.
Ele traz retrata do ponto de vista da logoterapia as reações típicas dos prisioneiros.
As reflexões proporcionadas nessa parte do livro "Em busca de sentido" são inúmeras, mas gostaria de destacar as duas que mais me chamaram a atenção:
"O termo latino finis tem dois significados: fim e meta. A pessoa cujo a situação não permite prever o final de uma forma provisória de existência também não consegue vivem em função de um alvo. Ela também não consegue mais existir voltada para o futuro, como faz a pessoa em uma existência normal"
Lendo isso o primeiro pensamento que me veio foi de como senti no começo do isolamento social, sem sentido, sem propósito e sem saber quando aquilo ia acabar. Me vi impotente, não tinha a cura pro vírus, não conseguia impedir ninguém que eu amo de ficar doente, minha vida profissional teve uma reviravolta, o que eu poderia fazer?
De quebra tinha o medo do desconhecido porque ninguém sabe até agora como lidar com o vírus não é mesmo?
Enfim, quando foi que o jogo mudou para mim? Quando eu estabeleci pequenas metas, não eu ainda não conseguia ver o fim ou uma solução global para tudo aquilo que esta acontecendo, ou como/quando isso iria acabar, mas eu poderia ter uma rotina, poderia voltar a estudar e me capacitar para quando "voltar a realidade" eu estar pronta, acho que foi a forma de colocar as decisões de volta nas minhas mãos e não na conta do acaso, sabe?
Ele compara esse estado ao das pessoas desempregadas, porque muitas vezes elas perdem a sua função, o seu sentido e como nossa sociedade valoriza a produtividade, passam a se sentir inuteis. O remédio? Encontrar pequenos sentidos, pequenos momentos de utilidade, um de cada vez e assumir a responsabilidade por isso, o que ele sugere é que a pessoa procure talvez um trabalho voluntário, ela não vai mudar a sua situação econômica, mas vai encontrar sentido e dessa forma forças para mudar a sua realidade.
Viktor também cita Nietzsche "Quem tem porque viver aguenta quase todo como". Ele explica que para aqueles que ainda tinham a esperança de reencontrar um ente amado, ou como ele haviam deixado um trabalho não terminado, tinham um motivo para sobreviver aquele sofrimento, um sentido e conseguiam ter forças para tentar sobreviver.
A segunda parte que me chamou muita atenção foi a seguinte:
"Afirmar que alguém fazia parte da guarda do campo de concentração ou que foi prisioneiro no campo não quer dizer nada. A bondade humana pode ser encontrada em todas as pessoas, e ela se acha também naquele grupo que, a primeira vista, deveria ser condenado. Não podemos simplificar as coisas dizendo que os prisioneiros são anjos, e os guardas são demônios"
Ele faz um trocadilho dizendo que existem 2 raças de pessoas as direitas e as torpes. O que as diferencia é uma linha tênue em cada pessoa onde ela decide de qual irá participar. Ele defende que essa essa escolha é uma decisão e não depende da biologia ou das circunstâncias.
Ele cita alguns dos prisioneiros após a liberação sentiam tanta raiva que cometeram injustiças com pessoas que não haviam lhe feito nada, com a intenção de equilibrar o prejuízo sofrido, mas essa atitude só causaria um ciclo sem fim de violência e maus tratos. E de guardas que conseguiam ter empatia e amenizar o sofrimento dos prisioneiros.
Conceitos básicos da Logoterapia
O termo "logos" é uma palavra grega que significa "sentido". Assim, a Logoterapia concentra-se no sentido da existência humana, bem como na busca da pessoa por este sentido.
Para a Logoterapia o ser humano precisa ter um sentido, um objetivo a ser realizado, esse sentido varia de pessoa para pessoa, de um dia para outro, de uma hora para outra.
Sentido nesse caso, não no conceito romântico difundido hoje em dia mas no sentido de perceber o melhor que pode ser feito em determinada situação.
Ele elenca 3 formas de descobrir sentido no trabalho, experimentado algo novo ou amando alguém e na dor ou sofrimento.
Vale ressaltar que ele coloca que é possível encontrar sentido na vida até mesmo no sofrimento, quando este é inevitável, por exemplo quando alguém morre, mas em quando ele pode ser eliminado a solução é justamente essa, pois sofrer sem necessidade é masoquismo não um ato heroico.
Uma pessoa sem sentido sofre do vazio existencial, um fenômeno em que a pessoa é anestesiada, perde os instintos e as tradições, ou seja não há nada biológico ou social que a diga o que fazer e as vezes ela nem sabe o que gostaria de fazer. Quanto mais tempo livre maior o vazio existencial, os principais sintomas são depressão, dependências químicas e agressividade.
A tese do otimismo trágico
Essa tese é tirada de uma palestra do autor na Alemanha em 1983. Trata-se de uma situação em que a pessoa permanece otimista apesar da tríade trágica (dor,culpa e morte), ou seja, tirar o melhor proveito das diversidades.
Resumindo em caso de dor, transformar o sofrimento em uma conquista e em uma realização. Em caso de culpa, transformar o sentimento em uma oportunidade de mudar a si mesmo e no caso da morte, se motivar pela brevidade da vida a tomar responsabilidade dos seus atos.
Ele termina com o trecho abaixo:
"As pessoas decentes formam uma minoria. Mais que isso, sempre serão uma minoria. E, no entanto, vejo justamente neste ponto o maior desafio, a que nos juntemos a minoria. Porque o mundo está numa situação ruim. Porém, tudo vai piorar ainda mais se cada um de nós não fizer o melhor que puder."
Sabe aqueles livros que explodem nossa cabeça a cada página e que demoram um tempo e talvez mais de uma leitura para passar todos os ensinamentos? Esse é um deles. Recomendo fortemente a leitura.
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